sábado, 30 de agosto de 2008

Sábado de manhã...







Sábado de manhã. 5h50… começo a acordar. Ontem não houve “actuação” das discotecas. Lá fora, um barulho forte de água. Chuva! Lá me torno a conformar. Até Outubro vai ser ligado… levanto-me. Afinal… não!!! É o ribeiro ao lado do Centro. Chuvisca… 6h e “tshaaap”, chuva, bastante, é claro! Dar mimos e um pepino ao Gorila, ligar o computador e aproveitar para escrever, por a escrita em dia. Há tanto para contar… estes dias têm sido bala-bala mesmo!
Início da semana e, cartas! De casa – acabou o embargo e lá me enviaram os preciosos elásticos para o cabelo, que cá não se encontram -, da tia Laura – preciosos CD’s da Mafalda Veiga e do Luís Represas, variar um bocadinho o tipo de música é bom, e uma camisa! A primeira e única camisa que cá tenho e é linda! -, da Carolina – tão bom saber notícias – e do João, através do mail, com fotografias, sinto-me tão perto… E a semana iniciou, também, com uma fantástica parceria entre mim e o Gorila. Estava eu a ver o Bom Dia Portugal e… pá! Matei um mosquito que matabichava na minha perna, calmamente, o Gorila, agarra e come-o. (neste preciso momento o pepino já foi comido e deixei-o vir para “ao pé” de mim. Está em plena luta com o computador… ciúmes… viu um bicho a passar e correu para a janela. Olhou, olhou, viu a chuva e desistiu.) Este início da semana assinalou ainda a minha estreia em processo penal, defesas oficiosas de processos sumários, “complicadoê”! casos dos quais só tomo conhecimento na audiência… Leis… “Ne pas”… uma parte do código penal fotocopiado e mais nada. O nosso já sofreu tantas alterações… Mas com a “lata toda” pedi adiamento de julgamentos, por falta de informação ao réu que podia arrolar testemunhas, abertura de instrução e, consequentemente, passagem ao processo de Querela, e ainda absolvição do Réu e condenação da ofendida, não apenas no pagamento das custas judiciais mas por falsas declarações - este caso foi o cúmulo do teatro, mas a senhora teve azar de estar eu como defensora oficiosa, que até já levei um murro no olho e portanto sei bem as mazelas com que se fica e com que não se fica, para além das testemunhas oculares que foram ouvidas. A senhora, então, tinha levado tantos murros que até fez “como quem perde a consciência”, abriu “os olhos nos braços de alguém” que nem se conseguia lembrar e sentiu “assim que nem sei que lá”, tudo acompanhado dos respectivos gestos e expressões faciais teatrais, ao pior nível. Mas não tinha nenhuma mazela… E, de entre tantos casos surreais, o melhor foi o da Lapa, só filmado, mas vou tentar contar-vos. O auto de notícia fazia fé que x tinha dado com um remo nas costelas do y. Pois bem, vamos ouvir o x, que é o Réu (nome horrível e que eu sempre substitui por arguido… realmente dá logo uma carga de culpabilidade muito grande). E a confissão foi algo como “depois da pesca estávamos na canoa e chega não sei quem lá de outra praia e inguiça por nós não termos conta no banco. Eu respondo e o y diz que não preciso de ter conta no banco porque também não tenho dinheiro que não trouxe nada da pesca. Brincamos um bocadinho assim como quem dá uns socos e eu deixo de gostar da brincadeira e vou para ele e ele está com uma faca de emalhar na mão e dou-lhe com o remo”, pois claro! É a vez do ofendido… a mesma estória mas com o acrescento delicioso de “ó chefe (o juiz muitas vezes é interpelado por “ó chefe”) eu até lhe disse, compramos 2 garrafões de vinho pomos ali na areia e vamos lutar como homens grandes. Ele não gostou e deu-me com o remo. Eu achava que ele gostava de vinho…” perplexidade no tribunal! Mas a maior delícia estava para vir… “pode trazer a testemunha” diz o juiz para a funcionária. “Testemunha? Pois… foi-se embora. Disse que não estava para esperar mais e foi-se embora, agorinha mesmo.” O juiz emite o mandato de captura e o julgamento fica adiado para as 15h, hora em que aparece a testemunha escoltada pela polícia e pela funcionária. Inicia com a inquirição do porquê de se ter ido embora. “Um homem tem fome, eu não tinha matabichado e a fome própria estava doer, eu antes própria da porta estar aberta já estava cá. Vim da Lapa, por aquele caminho do mato, já era como o meio dia e estava com muita fome. Só fui ali ao lado, à praça comer um pintado, mas depois eu vinha, vinha mesmo. É a primeira vez no tribunal e na polícia (nesta parte, o discurso que já vinha sendo dito num tom alegre, aumenta e o sorriso fica mais rasgado) e é bom mas eu cá não sou homem de confusão, nunca fiz confusão”. Finalmente o juiz consegue cortar-lhe o discurso e explica-lhe/perguntando-lhe se sabe qual é a sua função ali e que ele tem de dizer a verdade, “eu sátiro só digo a verdade, não vim para mentir” e olha para mim e sorri, o juiz chama-o à atenção para o facto de não o poder interromper e ele “tá bem, mas eu só vim para dizer a verdade, não acha menina?!”, começa a ser difícil ao tribunal manter a postura… (o Gorila apanhou um gafanhoto e delicia-se) mas o “pior” está para vir. Momento do juramento… juiz explica que pode jurar por honra ou por Deus e, ao fim de uns coçares de queixo e uns torcer de nariz “hum… pode ser por Deus!”.
Juiz – Juro por Deus,
Sátiro – juro por Deus,
Juiz – dizer a verdade,
Sátiro – dizer a verdade,
Juiz – e só a verdade,
Sátiro – a minha verdade própria. (e bate com a mão no peito!)
E, ao nosso olhar perplexo, espantado explica – pois claro eu vim só para dizer a verdade, eu já lhe disse, é a primeira vez em tribunal, não vim para mentir! (tudo acompanhado com expressões faciais deliciosas) o juiz lá explica que tem de repetir tudo o que ele diz, que é uma formalidade, e tudo corre bem até à redundância… “claro que vou dizer a minha verdade própria!” “porque havia de mentir?” “eu só digo a verdade” “a verdade própria”, e, depois de, ao tribunal, ser impossível conter as lágrimas de riso, lá conseguimos que o senhor fizesse o juramento. Lá contou a história… “estava sentado na minha canoa própria, feita com muito – faz o gesto de talhar – meu” “a hora?... noitinha…” “hora mesmo?... umas onze…” “sim, da manhã… eu tinha chegado da pesca” “o dia?... bem, eu não vou mentir ao senhor. Sabe… eu já estava assim – e sorri – um bocadinho aquecido, sabe como é” e num repente vira-se para trás e calmamente “mas vocês que arranjaram a confusão lembram-se certamente do dia não é?” o juiz lá lhe explica que ele não pode falar para trás, que esse trabalho cabe ao juiz “está bem… mas vocês lembram-se!” torna a virar-se para a frente “Foram eles que arranjaram a confusão… eles lembram-se!”
Absolutamente delicioso este Sátiro…
E muitos casos de remos, murros, difamações foram defendidos esta semana. Somos apenas dois juristas na ilha, o outro é o presidente da assembleia regional, está impedido. O juiz e o Ministério Público estão em São Tomé e vêm cá de tempos a tempos e esta gente é defendida por funcionários que nada alegam, nada dizem… Pelo menso desta vez tiveram uma defesa digna.
Bem… e nisto tudo ainda se prepara e ultimam os pormenores para a abertura do Centro. Quarta-feira, dia 3 de Setembro, já temos data, transporte para os idosos e gente para capinar. Foi difícil… muita ginástica… mas conseguimos! Houve dias stressantes!!! Uma maravilha…
E, nesta semana, ainda houve tempo para arrumar e desarrumar o centro duas vezes por causa dos senhores da MEP, a brigada anti-mosquitos que anda a flirtar as casas com produto, uma iniciativa da cooperação de Taiwan, e que diziam que vinham mas depois não vinham, até que “eu própria” – já estou a apanhar – os fui buscar e fiquei dois dias aflita dos olhos e da cara… (entretanto encontro na minha t-shirt uma asa e uma pata de gafanhoto).
Quinta-feira foi segundo dia de espera do barco, não só por falta do gasóleo na ilha e o carro estar sequinho, mas, essencialmente, pelos bens que vieram para abastecer o Centro. Chegou, ao final do dia. Só ontem descarregaram e… legumes estragados. Um desperdício. Não vai ser fácil… foi também dia do embarque, no avião, do Pde Manuel, vai até Algés continuar a sua missão. Até dia 13 de Setembro ficamos sem Padre, dia em que chega o Pde Arsénio, da Ramada.
Veio a energia!!! Mesmo a tempo… a bateria estava a dar as últimas… deixo-vos com fotografias do acampamento e abertura do ano escutista, que aconteceu na outra semana, e por onde também me fui dividindo, e do Gorila a deliciar-se com o gafanhoto.

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