quarta-feira, 25 de junho de 2008

30 minutos de relógio...

“pois… vim tomar o pequeno-almoço e hoje tenho folga. E tu? Vais trabalhar?” “vim agora de um trabalho e também estou de folga” “eu acho que vou correr um bocado para a praia Évora, queres vir?” “correr… podíamos ir passear, lá para Nova Estrela” “já conheço, podemos ir até Bela Vista…” “Mafalda ainda não conhece lá? Vou mostrar Mafalda a barragem, inda não foi lá?” “boa ideia! Quanto tempo?” “30 minutos de relógio” “ida e volta?” “ida” E assim aprendi que nem a hora de relógio por cá bate muito certa, já o tinha notado, mas agora tive mesmo a certeza… mas quem é que precisa da hora do relógio quando a hora do tempo, da vida, da conversa é tão mais saborosa, tão mais saboreada? E, assim, partimos pela rua feliz (quem passa a ponte do Rio Papagaio vira na 1ª à direita) em direcção à Bela Vista, passámos pelas irmãs, pela escola (onde vários alunos faziam as revisões para os pontos), a casa do Nicolau e seguimos a passos largos. Gente que passava por nós num “bom dia” espantado da nossa pressa, eles que tudo e nada transportavam e leve-leve fazem o seu caminho. Quintal da Bela Vista e crianças em idade de jardim espantadas por verem uma “brranca”. 30 minutos da cidade e as idas são tão raras… é mais seguro o quintal, as brincadeiras no rio, o sentar à porta do hospital e o correr com uma hélice que roda, uma hélice feita de bule de óleo. É mágica, sentem eles sem o saber dizer… continuamos estrada fora pelo ôbô. Já teve estrada, o Cac lembra-se da barragem cheia quando tinha uns 5 anos, bué tempo, ele agora tem 24. Nessa altura já o gerador tinha parado há tempo demais, o gerador só funcionou 2 vezes. Chinelo no pé e ôbô dentro – lembro-me do espanto que Porto Real nos causou quando foram até ao morro papagaio de chinelo. Sobe, desce, desvia, baixa, trepa as árvores que vão caindo, e a estrada de calhau ainda espreita debaixo da erva, do projecto de capim que vai “relvando” o caminho pautado de postes eléctricos, já sem fio, que “era para lévar a energia pará cidádi”. E os 30 minutos de relógio já tinham passado há algum tempo quando avistamos a primeira máquina da barragem. Tão diferente… um sólido hexagonal em forma de “L” com uns 2, 3, 5 metros e funda bastante “e a água entra lá, faz não sei quêlá e sai por esse tudo lá”, engraço imaginar o engenho quando apenas se vê um fundo de limo verde, ver a diferença com as nossas barragens. Seguimos rio acima, desta vez por dentro do rio. Pedra, pedra, pé na água e o fresquinho sabe bem, “frrio”, diz ele, quente, mais quente que a nossa água do mar. E já caminhámos 1 hora e 15 quando chegamos ao depósito de água potável. Os olhos abrem-se e espantam-se, não por algo que o depósito possa ter ou ser (é uma caixa quadrada enfiada na terra cuja tampa – o que se vê – tem 1mx1m) mas pela capacidade que esta paisagem deslumbrante, que todo o caminho me embriagou, me faz, mais uma vez, maravilhar. E fico assim só, gozando esta dádiva… esqueço-me, por momentos, das horas de relógio, da noção de tempo. Permito-me uns breves instantes de irresponsabilidade e de chinelo no pé, bebendo água do rio, gozo, deslumbro-me e… temos de ir embora. Às 12h tenho de estar no Centro de Dia. Tudo está sob o controlo mas temos de acelerar o passo. Descemos já pela estrada e “vamos por esta” “é mais perto?” “pode ser. Não sei como está a estrada. Esta foi a primeira estrada que fizeram para aqui” metros à frente já nem vestígios de estrada há. O ôbo tomou o seu antigo território e não só nos equilibrámos em cima de condutas de água, como também de raízes e troncos para não cairmos de uma altura considerável e não nos molharmos e estatelarmos em cima dos seixos do rio. Chinelo no pé (santomense ou moncon) e plantação de folha… cerrada, 2 metros de altura. Gorila aos ombros e Cac a perder de vista, o que vale é que já estamos outra vez na estrada. Pés cheios de terra e folhas, pequeninas e alguns insectos. Sabemos que já estamos próximos quando se ouvem as crianças no rio a brincar. As mães estão a lavar a roupa e a Bela Vista fica já lá à frente.
Foi um bom corta mato. Entro na cidade e muito se espantam por “máfáda está comer cacau” e lá sigo partilhando-o com o Gorila. Faltavam 5 minutos para o meio-dia quando cheguei ao Centro de Dia! A caminho do almoço… “Máfáda passei!” “eu também!” “almofada, almofada eu também pássei!” que alegria… os pontos começaram a sair. “aqueli outro lá não passou, mais professora dissi qui eli ia pássar” “até à 4ª classe todos passam áfábal” e lá entro para almoçar. Tarde mais calma… ao final do dia, já de noite, um mergulho na piscina relaxou os músculos das 3 horas de caminho – 1 hora de relógio dizia o Cac…
Hoje foi a mesma coisa, 5h da manhã saída para Maria Correia… carro até São Joaquim, descida a pé até à Roça passando pela praia caixão e pela Baía das Agulhas. Às 7h estaríamos de regresso, era exercício matinal. Ôbô outra vez, mas desta vez de crocs… dois rios passados, mas com menos malabarismos – o caminho é sempre junto à costa, mar e rio confundem-se ao jeito da terra, leve-leve, caudal pequeno e suave, mar chão. Pequeno-almoço na Roça, a primeira capital da ilha. Mata bicho, um real mata bicho – ovo com banana-pão frita e leite condensado. Há quem o tenha bebido com café, simples - juntando água - eu bebi-o em bruto, com uma colher. Uma delícia. E claro que já não íamos fazer 2 horas de relógio… aproveitar o amanhecer, a chuva, que caiu, molhou, e secou. Explorar a Roça e constatar, sem surpresa, que a estrada outrora existente, que daria para o outro lado da ilha, já mal se vê e, apenas, de “tempos a tempos”. O ôbô engoliu-a. Agora, para se chegar à Roça sem cansar, sem andar uns bons quilómetros a pé pelo ôbô, só mesmo de barco… e só novamente com muito trabalho se conseguirá fazer outra vez o caminho por estrada. O céu começa a abrir e o sol a aparecer, o pico mesa também se mostra e todos os morros.
Não é ao acaso que alguns Santomenses chamam à fotografia postal. Para me embriagar dispenso o vinho de palma que me oferecem nas paragens pelas aldeias de pescadores, tenho a natureza o convívio com eles e a natureza são suficientes, as estórias. Vou-me inteirando da vida destas gentes e sinto-me impotente ao ver uma habitação feita debaixo de uma rocha, protegida do vento com folhas de palmeira… sentimento que aumenta quando sei que esse homem já foi ajudado com casa e emprego, mas que roubava os ovos, bebia, não olhava pelos animais e teve de sair. Que fazer?
Excelentes subidas no regresso parando várias vezes para esperar pel os senhores, que muito espantados ficaram por ver uma mulher, ainda por cima branca, fazer aquele caminho “não aguenta, tem dir leve-leve”. Numa dessas paragens fiquei a saber que um grupo quer mudar o nome da praia caixão para praia quente… estão lá a construir habitações “próprias deles”, pequenas casinhas de madeira. “Faça a proposta!” – e é assim, simples… saída mais cedo, chegada mais cedo. 11h30 já estávamos na cidade. E não avisei a Juditinha que não tomaria o pequeno-almoço, confiei nas 2 horas de relógio… ao almoço “chê Máfálda qui passou?” lá expliquei e que o pequeno-almoço tinha sido pela Roça “piqui vai por mesa, põe almoço e Máfálda vai ter di comer tudo, tudo, mais Gorila.” E o Gorila agarrouse a um tentáculo de polvo! Noite na internet, a tentar colocar este post e a ter conversas surreais… “sou seu fã!” vá lá… não é apaixonado, só deseja, só quer que eu ponha a mão. Deve ser a parte das escrituras que melhor conhecem, a que Jesus diz para quem quiser que estenda a mão que ele também porá a sua… quantas vezes já ouvi, não conhecia. Pelo menos é mais elucidado… “não vou mentir… não estou apaixonado. chê isso não acontece assim, de um momento para o outro. nem deu para ficar..." E lá consegui colocar o "post" com a supervisão do meu amigo e enquanto (supervisão está a faltar i - diz o amigo) o Gorila corre, escala e faz rappel no carro enquanto come uma bolacha com recheio de ananás (descobri que já não sou alérgica) que o amigo, muito gentilmente, trouxe, pois estava esfomeada. Pássô ô...

2 comentários:

Anónimo disse...

Tambem quero a camisola da eslovenia so para mim:)

Máfáda disse...

querias... e não é da ESlovénia, é da eslováquia. eu consegui duas... :P beijinhos e espero que esteja tudo bem