“pois… vim tomar o pequeno-almoço e hoje tenho folga. E tu? Vais trabalhar?” “vim agora de um trabalho e também estou de folga” “eu acho que vou correr um bocado para a praia Évora, queres vir?” “correr… podíamos ir passear, lá para Nova Estrela” “já conheço, p
odemos ir até Bela Vista…” “Mafalda ainda não conhece lá? Vou mostrar Mafalda a barragem, inda não foi lá?” “boa ideia! Quanto tempo?” “30 minutos de relógio” “ida e volta?” “ida” E assim aprendi que nem a hora de relógio por cá bate muito certa, já o tinha notado, mas agora tive mesmo a certeza… mas quem é que precisa da hora do relógio quando a hora do tempo, da vida, da conversa é tão mais saborosa, tão mais saboreada? E, assim, partimos pela rua feliz (quem passa a ponte do Rio Papagaio vira na 1ª à direita) em direcção à Bela Vista, passámos pelas irmãs, pela escola (onde vários alunos faziam as revisões para os pontos), a casa do Nicolau e seguimos a passos largos. Gente que passava por nós num “bom dia” espantado da nossa pressa, eles que tudo e nada transportavam e leve-leve fazem o seu caminho. Quintal da Bela Vista e crianças em idade de jardim espantadas por verem uma “brranca”. 30 minutos da cidade e as idas são tão raras… é mais seguro o quintal, as brincadeiras no rio, o sentar à porta do hospital e o correr com uma hélice que roda, uma hélice feita de bule de óleo. É mágica, sentem eles sem o saber dizer… continuamos estrada fora pelo ôbô. Já teve estrada, o Cac lembra-se da barragem cheia quando tinha uns 5 anos, bué tempo, ele agora tem 24. Nessa altura já o gerador tinha parado há tempo demais, o gerador só funcionou 2 vezes. Chinelo no pé e ôbô dentro – lembro-me do espanto que Porto Real nos causou quando foram até ao morro papagaio de chinelo. Sobe, desce, desvia, baixa, trepa as árvores que vão caindo, e a estrada de calhau ainda espreita debaixo da erva, do projecto de capim que vai “relvando” o caminho pautado de postes eléctricos, já sem fio, que “era para lévar a energia pará cidádi”. E os 30 minutos de relógio já tinham passado há algum tempo quando avistamos a primeira máquina da barragem. Tão diferente… um sólido hexagonal em forma de “L” com uns 2, 3, 5 metros e funda
bastante “e a água entra lá, faz não sei quêlá e sai por esse tudo lá”, engraço imaginar o engenho quando apenas se vê um fundo de limo verde, ver a diferença com as nossas barragens. Seguimos rio acima, desta vez por dentro do rio. Pedra, pedra, pé na água e o fresquinho sabe bem, “frrio”, diz ele, quente, mais quente que a nossa água do mar. E já caminhámos 1 hora e 15 quando chegamos ao depósito de água potável. Os olhos abrem-se e espantam-se, não por algo que o depósito possa ter ou ser (é uma caixa quadrada enfiada na terra cuja tampa – o que se vê – tem 1mx1m) mas pela capacidade que esta paisagem deslumbrante, que todo o caminho me embriagou, me faz, mais uma vez, m
aravilhar. E fico assim só, gozando esta dádiva… esqueço-me, por momentos, das horas de relógio, da noção de tempo. Permito-me uns breves instantes de irresponsabilidade e de chinelo no pé, bebendo água do rio, gozo, deslumbro-me e… temos de ir embora. Às 12h tenho de estar no Centro de Dia. Tudo está sob o controlo mas temos de acelerar o passo. Descemos já pela estrada e “vamos por esta” “é mais perto?” “pode ser. Não sei como está a estrada. Esta foi a primeira estrada que fizeram para aqui” metros à frente já nem vestígios de estrada há. O ôbo tomou o seu antigo território e não só nos equilibrámos em cima de condutas de água, como também de raízes e troncos para não cairmos de uma altura considerável e não nos molharmos e estatelarmos em cima dos seixos do rio. Chinelo no pé (santomense ou moncon) e plantação de folha… cerrada, 2 metros de altura. Gorila aos ombros e Cac a perder de vista, o que vale é que já estamos outra vez na estrada. Pés cheios de terra e folhas, pequeninas e alguns insectos. Sabemos que já estamos próximos quando se ouvem as crianças no rio a brincar. As mães estão a lavar a roupa e a Bela Vista fica já lá à frente.
Hoje foi a mesma coisa, 5h da manhã saída para Maria Correia… carro até São Joaquim, descida a pé até à Roça passando pela praia caixão e pela Baía das Agulhas. Às 7h estaríamos de regresso, era exercício matinal. Ôbô outra vez, mas desta vez de crocs… dois rios passados, mas com menos malabarismos – o caminho é sempre junto à costa, mar e rio confundem-se ao jeito da terra, leve-leve, caudal pequeno e suave, mar chão. Pequeno-almoço na Roça, a primeira capital da ilha. Mata bicho, um real mata bicho – ovo com banana-pão frita e leite condensado. Há quem o tenha bebido com café, simples - juntando água - eu bebi-o em bruto, com uma colher. Uma delícia. E claro que já não íamos fazer 2 horas de relógio… aproveitar o amanhecer, a chuva, que caiu, molhou, e secou. Explorar a Roça e constatar, sem surpresa, que a estrada outrora existente, que daria para o outro lado da ilha, já mal se vê e, apenas, de “tempos a tempos”. O ôbô engoliu-a. Agora, para se chegar à Roça sem cansar, sem andar uns bons quilómetros a pé pelo ôbô, só mesmo de barco… e só novamente com muito trabalho se conseguirá fazer outra vez o caminho por estrada. O céu começa a abrir e o sol a aparecer, o pico mesa também se mostra e todos os morros.
Não é ao acaso que alguns Santomenses chamam à fotografia postal. Para me embriagar dispenso o vinho de palma que me oferecem nas paragens pelas aldeias de pescadores, tenho a natureza o convívio com eles e a natureza são suficientes, as estórias. Vou-me inteirando da vida destas gentes e sinto-me impotente ao ver uma habitação feita debaixo de uma rocha, protegida do vento com folhas de palmeira… sentimento que aumenta quando sei que esse homem já foi ajudado com casa e emprego, mas que roubava os ovos, bebia, não olhava pelos animais e teve de sair. Que fazer?
Excelente
2 comentários:
Tambem quero a camisola da eslovenia so para mim:)
querias... e não é da ESlovénia, é da eslováquia. eu consegui duas... :P beijinhos e espero que esteja tudo bem
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